“Brasil vive crise de expectativas”, diz economista

Silvia Matos, do FGV Ibre, é coautora de um estudo que mostra como as expectativas sobre a inflação afetam o reajuste de preços nas empresas

“Brasil vive crise de expectativas”, diz economista

A economista Silvia Matos, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), é coautora de um estudo que, embora ainda não concluído, vem provocando considerável alarido dentro e fora do Brasil. O trabalho mostra, pela primeira vez, que as expectativas de inflação estão relacionadas com as decisões que as empresas tomam para definir o preço de seus produtos.

 

Assim, se essas expectativas estiverem ancoradas, ou seja, dentro da meta de inflação do governo para determinado período, o repasse para os produtos de um eventual tranco do dólar é menor. Nesse caso, ele fica entre 1% e 2% na primeira rodada de reajustes. Agora, quando as tais expectativas estão desancoradas os reajustes de preços promovidos pelas empresas saltam para 5% ou até 7%.

O ponto é que, como diz Silva, o “Brasil vive uma crise de expectativas”, na qual as âncoras sumira. Ou seja, seguindo a lógica da pesquisa, algo nada recomendável para o processo inflacionário. E qual a consequência para o país dessa situação? É isso o que a economista explica, a seguir, em entrevista ao Metrópoles.

 

Qual a melhor síntese do estudo do qual a senhora participa?

 

 

É que as expectativas importam. A arte do controle das expectativas é crucial para a estabilidade da economia de um país. Se, desancoradas, as expectativas resultam em reajustes maiores de preço dos produtos. Ou seja, elas têm peso no processo inflacionário. E o Brasil vive uma espécie de crise de expectativas.

E qual a origem dessa crise?

Ela está sendo provocada, por exemplo, pela contaminação da política na atuação do Banco Central, na política monetária. E sempre que isso acontece a situação fica pior.

 

 

 

Pior em quais aspectos?

Os custos para reduzir a inflação são maiores. Antes dessas disputas do governo com o Banco Central, há cerca de quatro meses, as estimativas eram de que teríamos uma redução dos juros básicos mais ou menos no início do segundo semestre. Agora, esse momento de queda das taxas está cada vez mais sendo empurrado mais para frente. Assim, como resultado final dessa situação, vamos colher menos crescimento econômico. Por isso, é até difícil entender a lógica dessa estratégia do governo de criar ruídos com o Banco Central.

Mas o objetivo seria pressionar o BC para baixar os juros o quanto antes.

Sim, mas é preciso entender que o Banco Central faz projeções de inflação. Como a meta de 2024 é de 3%, e todas as estimativas apontam que a inflação estará acima desse nível, o que ele faz? Aumenta os juros. O protocolo é esse. Eu entendo o desespero de um governo que vive da perspectiva de crescimento. Ele quer reeditar o mundo maravilhoso do primeiro mandato de Lula. O problema é que tudo mudou. O mundo não é mais o mesmo.

Mudou como?

Desde o ano passado, todos sabíamos que 2023 seria um ano de ajustes. As cadeias produtivas ainda não estão totalmente acertadas, os países estão combatendo a inflação e, por isso, aumentando juros. Em resumo, o diagnóstico do paciente está – e já estava – muito claro. O que temos é um mundo com menos crescimento e mais inflação. Então, não dá para vender o paraíso se ainda estamos no purgatório.

 

 

Muitos especialistas acreditam que as expectativas podem melhorar com o novo arcabouço fiscal (que fixa regras para manter a dívida pública numa trajetória equilibrada). A senhora compartilha dessa opinião?

Vamos esperar para ver as novas regras fiscais. Mas a agravante é que esse conflito todo em andamento também afeta a credibilidade da equipe econômica. Qual é a força que o ministro Fernando Haddad (Fazenda) tem hoje no governo? Além do mais, o que vemos são alguns sinais de uma política econômica mais tradicional e outros de tentativas de atalhos. E isso é muito complicado. Das outras vezes que tentamos pegar atalhos deu ruim. Muito ruim.

Que tipos de atalhos?

Atalhos em ações e discursos que defendem que o setor público pode resolver o problema do baixo crescimento. Ou ainda, que basta reduzir os juros para a economia crescer. Os que pregam que a inflação um pouco mais alta não importa. E falam isso justamente sobre a inflação, terrível para os mais pobres. Os ricos se protegem, têm poupança, colocam o dinheiro na renda fixa. E o problema adicional é que, quando essas coisas não dão certo, precisamos de mais políticas sociais para compensar a situação. Para quem defende atalhos, tenho só uma pergunta: se isso nunca deu certo até aqui, por que vai dar certo a partir de agora?

A senhora mencionou as polícias sociais. Há dinheiro para elas?

A grande questão hoje não é gastar mais, mas, sim, rever e buscar maior eficiência nos gastos que realizamos. Esse é uma discussão que o governo anterior não quis fazer, mas que abre um espaço enorme para que o país possa ser mais eficaz e justo. Agora, não pode cair nessa história de que “gasto é vida” (termo usado por Dilma Rousseff, quando ocupava a Casa Civil, no governo Lula 2). Mesmo por que quem vai pagar a conta? O governo e os políticos vão propor, por exemplo, um aumento da carga tributária? Isso vai ter de ser uma escolha da sociedade.

E como as pessoas que seguem a linha de pensamento econômico do tipo “gasto é vida” devem receber o estudo do qual a senhora participa?

Para esse pessoal, as expectativas não importam. Mas não é isso o que mostra o estudo. E ele não trata do mercado, dos agentes econômicos, sempre muito criticados pelo governo. Ele aborda as empresas e mostra como elas aumentam seus preços quando as expectativas estão desancoradas.

 

NotaO estudo sobre a definição de preços quando as expectativas estão desencoradas analisou dados de julho 2008 a dezembro de 2020 e contou ainda com a participação dos economistas Marco Bonomo (Insper), Carlos Carvalho (Kapitalo Investimentos), Daniel Abib (EPGE-FGV), João Ayres (IADB), Stefano Eusepi (University of Texas, Austin), Marina Perrupato (IADB).

 

Fonte https://www.metropoles.com/negocios/brasil-vive-crise-de-expectativas-diz-economista