O que se sabe sobre os temporais recentes, como os que atingiram Rio e SP, e o aquecimento global

Eventos extremos do tipo estão ficando cada vez mais frequentes, mas será que podemos cravar uma relação direta desses fenômenos com a crise do clima?

O que se sabe sobre os temporais recentes, como os que atingiram Rio e SP, e o aquecimento global

Nesta terça-feira (7), em apenas quatro horas, choveu em todo o Rio de Janeiro 70% do esperado para todo o mês.

Já na cidade de São Paulo, em três horas, choveu o previsto para 10 dias. Nos dois estados, os temporais causaram alagamentos, deslizamentos, deixaram bairros cobertos de lama e vitimaram um jovem de 24 anos, em SP, e três pessoas no Rio.

Mas será que esses eventos são culpa do aquecimento global? Veja abaixo alguns pontos que ajudam a explicar o assunto.

 

O que causou o temporal no Rio e em São Paulo

 

Fábio Luengo, meteorologista da Climatempo, explica que os temporais que causaram deslizamentos e alagamentos foram resultado da atuação de um cavado meteorológico, uma área de instabilidade que tem como principal característica provocar uma chuva muito forte em pouco tempo e de maneira isolada, justamente como a que ocorreu ontem.

 

"Lógico, ontem foi um caso à parte porque tivemos a influência desse cavado tanto em São Paulo como no Rio, mas essa área de instabilidade foi muito maior", explica.

 

Como explicou o g1, apesar do nome pouco conhecido do público em geral, os cavados são eventos comuns na meteorologia que ocorrem ao longo de vários meses do ano. O nome técnico faz referência a uma condição de ventos que favorece a formação de chuvas intensas.

Chuva nesta terça-feira (7) perto da rodoviária de Cabo Frio, no RJ — Foto: Rodrigo Marinho/g1

Chuva nesta terça-feira (7) perto da rodoviária de Cabo Frio, no RJ — Foto: Rodrigo Marinho/g1

Dependendo das condições de umidade e de temperatura, a passagem de um cavado por causar muita instabilidade e chuvas fortes. Em regiões onde há essa condição de ventos, é comum ocorrer concentração de calor e de umidade, podendo até mesmo ocasionar mais chuva do que a passagem de uma frente fria.

No caso das chuvas da última segunda, Luengo explica que foi justamente essa combinação que aconteceu.

Esse cavado é uma área de instabilidade muito forte. Mas não adianta a gente ter só a instabilidade e a umidade, por exemplo. O calor é que reforça essa instabilidade, formando as nuvens de chuva. Então, o que causou essas chuvas fortes foi a combinação do cavado, calor e umidade.

— Fábio Luengo, meteorologista da Climatempo

 

Janeiro de extremos

 

As chuvas intensas e as temperaturas elevadas marcaram janeiro deste ano.

Segundo o Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia), nos estados do Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Acre, São Paulo, Goiás e Amazonas, os acumulados de chuva ultrapassaram a média histórica.

De acordo com o instituto, os acumulados foram causados, principalmente, devido à presença de um canal de umidade que favoreceu a formação de áreas de instabilidade e chuvas expressivas nessas regiões.

Outro fator determinante para os eventos climáticos, segundo o Inmet, foi a formação da Zona de Convergência do Atlântico Sul, que contribuiu para a ocorrência de extremos nas diferentes regiões do Brasil.

 

 

No mês, foram observados dois episódios de ZCAS: o primeiro entre os dias 5 e 9/01 e o último entre os dias 25/01 e 27/01.

Zona de Convergência do Atlântico Sul — Foto: Arte/g1

Além disso, o mês de janeiro foi também marcado por temperaturas elevadas que causaram uma onda de calor na Região Sul, especialmente no Rio Grande do Sul, que persiste até agora.

No estado, a mais intensa onda de calor nesse mês ocorreu entre os dias 23 e 28/01. No dia 25, por exemplo, as máximas ficaram, em média, 7°C acima da média no Rio Grande do Sul, quando os termômetros de diversas cidades do estado registraram temperaturas próximas dos 40ºC.

 

 

O meteorologista do Climatempo explica que não dá para cravar uma influência direta com o aquecimento global nesses episódios recentes, visto que estudos aprofundados precisam ser feitos para isso, mas ressalta que há um consenso na comunidade científica de que a crise climática aumenta eventos extremos do tipo.

"Os extremos estão ficando mais frequentes tanto de seca como de chuva. E ontem vimos esse extremo de chuva. Isso já aconteceu uma vez ou outra, mas é algo que está ficando cada vez mais frequente".

— Fábio Luengo, meteorologista da Climatempo

 

Aquecimento global e eventos extremos

 

Se é difícil quantificar uma relação de causa e efeito direta, um ponto importante que precisa ser levado em conta é que os eventos extremos estão sendo "potencializados pelas mudanças climáticas" e isso é inquestionável, segundo cientistas e especialistas de todo o mundo, incluindo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês).

Uma analogia feita pelo pesquisador Carlos Rittl pode ser uma maneira de explicar a questão: segundo ele, tentar negar o aquecimento global usando o argumento incorreto de que os "eventos extremos sempre aconteceram" é como pegar um paciente com câncer de pulmão que fumou a vida toda e dizer que "os tumores sempre existiram".

 

"Há condições locais. Por exemplo, cidades com zonas muito urbanizadas e ilhas de calor, quando tem calor extremo, é lógico que favorece. Vem o aquecimento global com mais uma camada e torna a situação pior, com regiões do planeta com sensação térmica acima de 50ºC, temperaturas chegando a 55 ºC, coisas nunca observadas antes", explicou Rittl ao g1.

 

E faz tempo que o IPCC alerta que os eventos extremos estão cada vez mais frequentes e expondo milhões de pessoas à insegurança alimentar e hídrica.

"Então, não dá para a gente dizer que o aquecimento global causou o evento climática de ontem, mas podemos, sim, afirmar que o influenciou, assim como vem influenciando o mundo todo", destaca Luengo.

Como o aquecimento global tem efeitos diferentes no mundo, causando secas em alguns lugares e cheias em outros, buscar ferramentas e soluções para reduzir nossa fragilidade frente à crise climática é uma das soluções.

Na prática, isso diz respeito a respostas efetivas a esses problemas, como projetos de barragens marítimas para conter o aumento do nível do mar, ações de preparo para uma temporada de chuvas mais intensa etc.

 

Previsão para os próximos dias

 

A previsão do Inmet até a próxima semana é de grandes volumes de chuva em áreas das regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste.

Nas demais regiões, o calor e alta umidade vão contribuir para a ocorrência de pancadas de chuva. Já em áreas de Roraima e no interior das regiões Nordeste e Sul, a previsão é de pouca chuva, com predomínio de tempo seco na maioria dos dias.

fonte https://g1.globo.com/meio-ambiente/noticia/2023/02/08/o-que-se-sabe-sobre-os-temporais-recentes-como-os-que-atingiram-rio-e-sp-e-o-aquecimento-global.ghtml